terça-feira, 9 de setembro de 2008

Dia 2

"Estou sim? Bom dia minha senhora, olhe, é para dizer que um homem foi baleado na cabeça, levou 4 tiros na esquadra de Portimão".

Este foi o início da minha manhã. Custa ouvir a vida que segue la fora. Iníciamos agora uma etapa importantíssima que começa com a morte de outros - ou o ferimento grave, como foi o caso -.
Não sou facilmente impressionável. O senhor levou três tiros (o quarto de que a senhora falou, foi provavelmente disparado pela polícia), um na boca, dois na nuca no interior de uma esquadra policial - onde pára este país? -, curiosamente, quem o baleou era a pessoa de quem ele estava a apresentar queixa - e eu, na minha egoísta existência só pensava e logo hoje que eu saio às 20h30 e já é de noite... -.
Uns ligam para dizer que estão apenas duas pessoas a atender 300 na Loja do Cidadão de Telheiras, outros enviam cartas desesperadas que as minhas colegas apagam com rapidez e perícia. Hoje soube também que não devemos dizer ao telefone "se houver interesse, contacta-lo-emos". NÃO! "Se houver disponibilidade". Ora... la mierde. Nem tudo é notícia, mas custa-me não olhar duas vezes para o nome da pessoa que viu no meu órgão de comunicação a eventual solução para o seu problema, tornando-o público. Custa-me ouvir "desculpe, não sei se receberam o meu email...". Sim, recebemos mas apagámos porque a sua vida não motiva uma equipa a sair em reportagem. Mesmo que não motive realmente, custa.
Talvez seja um pouco impressionável. Não tanto com o sangue. Mais com estes apelos mudos que chegam por email, ou os gritos abafados do outro lado do telefone.
Achamos sempre que a mudança vive em nós e ainda o sinto - mal de mim se a frustração me comesse a esperança no 2º dia - mas a verdade é que devemos tudo às pessoas que ligam, aos que se preocupam, aos que denunciam. A eles devemos a verdade, a prontidão das notícias que recebemos todos os dias. A eles agradeço e me desculpo não receberem uma mensagem de retorno.
Agora coisas menos sérias, hoje percebi que a senhora do carrinho é brasileira e deve ser do Nordeste e por isso por vezes sai-lhe CARINHO! em vez de carrinho, que fica a coisa mais fofa do mundo, pensar que alguém duas vezes por dia distribui carinho na redacção.
Saí às 20h30, não foi preocupante, afinal o bairrozinho onde apanho o autocarro não parece tão mau assim, espero que não tenha nunca que fazer uma chamada angustiada como as que recebo.
Por hoje, nada mais a agendar.

3 toque(s) no(a) estagiário(a):

Otodectes cynotis disse...

ouvi essa notícia na rádio! irónico...

Espero que nos próximos 6 meses não recebas um telefonema com a notícia: "estagiário de medicina veterinária perde um olho, uma orelha e as duas pernas em luta com gato furioso"!

bjs e bom trabalho

T. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hariska disse...

Pois eu percebo a tua angústia...

E agora, assim do nada, lembrei-me da personagem que andava a esfaquear as pessoas na av. de berna...lembras-te?

Medinho.

You go girl. A vida é injusta, mas podes sempre fazer aquilo que está ao teu alcance para minorar esse facto!

beijo